sexta-feira, 20 de março de 2015

Livros

CAPAS


O esqueleto
Mistério da Casa de Bragança


Olavo Bilac e Pardal Mallet

O maranhense Aluísio Azevedo, fundador da cadeira 4 da Academia Brasileira de Letras e principal representante do naturalismo na nossa literatura, seu conterrâneo Coelho Neto (fundador da cadeira 2 da ABL), além dos dois autores deste opúsculo, publicaram textos em forma de folhetim na Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro (1890), com o pseudônimo de Victor Leal. Escrupulosos, não queriam seus nomes emprestando prestígio a uma forma menor de literatura de estilo romântico. Durante muito tempo este O Esqueleto foi atribuído a Aluísio, tendo sido incluído em suas Obras Completas. Mais tarde ficou provada a real autoria, conforme aparece nesta edição (Casa da Palavra, 2000) pela primeira vez.
A história trata das proezas do mestre de armas dos filhos de D.João VI, o escultor florentino Angelo Pallingrini, que responde pela alcunha Satanás, companheiro fiel, alcoviteiro e testemunha da vida devassa  do príncipe regente D. Pedro. O destino, no entanto, fará com que as vidas de ambos se cruzem numa tragédia inesperada. A irreverência dos autores, escritores brilhantes (o gaúcho Mallet é patrono da cadeira 30 da ABL e o carioca Bilac fundador da cadeira 15), nos lega a cena do grito de “Independência ou morte” dado por um Dom Pedro saído da moita (onde acabara de fazer as necessidades fisiológicas) direto para a história.

Noite na Taverna
Álvares de Azevedo



Composta de um prólogo, cinco contos e um epílogo, Noite na Taverna é obra postumamente publicada de Álvares de Azevedo, em 1855. Cinco rapazes bebem ao redor de uma mesa e cada um por sua vez faz um dos relatos tétricos, quando não escabrosos, nesta que pode ser considerada sua obra mais importante em prosa. Inspirado no ultraromantismo, Azevedo leva a extremos byronianos seus relatos góticos, que beiram os contos de terror. Manuel Antônio Álvares de Azevedo viveu apenas 20 anos. Vítima do Mal do Século, que exaltava o romantismo desbragado, cultivava as olheiras fundas, os cabelos desgrenhados e a dissipação existencialista, Álvares nasceu em 1831 e morreu em 1852, vítima da tuberculose, como convinha aos radicais da segunda onda romântica. Sua obra mais importante em poesia é o clássico Lira dos Vinte Anos, também publicada depois de sua morte, como de resto toda sua obra. É o patrono da cadeira número 2 da Academia Brasileira de Letras.

Arte e Ciência de Roubar Galinhas
João Ubaldo Ribeiro



Autor de livros que se tornaram best sellers e viraram filmes ou episódios de televisão (Sargento Getúlio e O sorriso do lagarto) e de um clássico da nossa literatura (Viva o povo brasileiro, 1984), João Ubaldo Ribeiro (1941-2014) começou a carreira na imprensa baiana e, incensado por Jorge Amado, ganhou espaço nas folhas do sudeste. Este volume reúne contados curtos e pitorescos de seu cotidiano na ilha de Itaparica, onde nasceu, publicados na imprensa carioca, na qual fez sucesso como colaborador do jornal O Globo. E foi no Rio, para onde se mudou na idade madura onde morreu como morador ilustre do Leblon como o foi na ilha que tanto o inspirou. Suas crônicas fazem troça e homenageiam os hábitos e crenças de seu povo, com destaque para as conversas esticadas de pescadores, as proezas de viventes e da bicharada ilhéu e o orgulho de ter expulsado os holandeses embaixo de cacete no longínquo Século XVII. Leitura agradável em narrativas deliciosas desse bom baiano.

Contos 1, 2 e 3
Ernest Hemingway


Os setenta contos reunidos nesses três volumes reafirmam de forma contundente o estilo claro e objetivo, e às vezes duro, do autor. Estão aqui reunidas em estilo curto as qualidades que fizeram dele um dos autores mais prestigiados da primeira metade do Século XX. Mestre do Romance, autor de clássicos como Por quem os sinos dobram e O velho e o mar, Hemingway poderia ser consagrado como grande autor mesmo se se limitasse à narrativa curta, na qual mesmo misturando fatos com invenção impregna sua obra de um realismo do tipo sangue na areia, sal e suor, amor e morte. Com o personagem  Nick Adams, seu alter ego, o autor faz de reminiscências a matéria-prima de seus contos. Há fantasia misturada a biografia, o que José Cândido de Carvalho chamaria de “esticados”, mas com total plausibilidade e inserida no contexto.  Dados biográficos estão presentes nos relacionamentos pessoais e nas aventuras de caça e pesca, na terra natal, em Illinois, fronteira com o Canadá, ou no exterior, onde passou grande parte de sua vida. Alguns desses contos se tornaram obras-primas e até viraram filme, como As neves do Kilimanjaro, presente no volume 2. Outros são episódios presentes em seus romances, indicando que têm base em fatos reais vividos pelo autor ou que o resultado em forma breve o agradou tanto que pavimentou o terreno de projeto mais ambicioso. Com contos de 1934 a 1960, o volume 3 raspa o tacho e encerra essa preciosa coleção de textos coroando a obra desse grande autor que tanto influenciou a prosa de seu tempo, com um estilo jornalístico de contar histórias.

Coelho Neto
Romance

Henrique Maximiano Coelho Neto (1864-1934), nascido em Caxias, no Maranhão, viveu um período agitado na política e na cultura do país. Viu o fim da escravidão - foi abolicionista ao lado de José do Patrocínio - e da monarquia, foi contemporâneo de Machado de Assis, Lima Barreto, Aluisio Azevedo, Olavo Bilac e a fundação da Academia Brasileira de Letras, da qual foi fundador da cadeira número 2. Publicou mais de 100 livros entre romances, poesia, teatro, ensaios entre outros. Este opúsculo de 132 páginas da coleção Nossos Clássicos (Agir, 1963) tem objetivo didático, com ampla introdução e capítulos escolhidos de cinco de seus romances. Coelho Neto é autor para se ler com o dicionário à mão. Abusa de termos inusitados e pouco usuais mesmo em autores de seu tempo, o que graças à abundância de notas de rodapé enriquece o vocabulário do leitor. 

Jorge, le Rouge
Geraldo Mayrink

Mineiro de Juiz de Fora, Geraldo Mayrink, morto prematuramente em 2009, aos 67 anos, era jornalista de texto impecável e professor de técnica de redação. Tinha grande capacidade de colocar, com elegância, o máximo de informação num mínimo de caracteres. É o que fez nesse Jorge, Le Rouge, uma minibiografia de Jorge Amado (1912/2001), no qual Mayrink esquadrinha as fases do escritor baiano, suas paixões e idiossincrasias, em apenas 65 páginas desse opúsculo de acabamento artesanal, impresso em papel rústico com capa de papelão sem brilho (Takano Editora, 2001), publicado como suplemento de A Revista. Ilustra a edição um conjunto de fotos das capas dos romances de Jorge Amado e diversos retratos seus pela pena de Carlos Scliar (1920/2001).

Metrópole à Beira-Mar
Ruy Castro


Os loucos anos cariocas

Julio Cesar de Barros

Em Metrópole à Beira-Mar, Ruy Castro apresenta um delicioso painel da efervescência das artes e da cultura popular no rio de Janeiro da década de 20.

 O jornalista Ruy Castro nasceu em 1948 em Caratinga, na Zona da Mata mineira. Como muitos naturais daquelas terras, acabou sendo atraído pelo canto da sereia e mudou-se para o litoral na década de 60, convertendo-se num dos mais ilustres cariocas contemporâneos. Seu encantamento com o Rio, sua cultura, seu modo de vida e seus habitantes, ilustres ou não, está presente em sua obra. Ótimo biógrafo, narrou em livros a saga de nosso dramaturgo maior, Nelson Rodrigues (O Anjo Pornográfico, 1992), e do mago das pernas tortas, Mané Garrincha (Estrela Solitária, 1995). Seu amor à terra de Noel legou a todos os brasileiros crônicas deliciosas da cidade e de seus artistas em Chega de Saudade (1990), sobre a bossa nova, e Ela É Carioca (1999), na qual nos mostra como Ipanema influenciou o comportamento não só dos fluminenses, mas do país todo.
A nova empreitada de Castro é Me- trópole à Beira-Mar — O Rio Moderno dos Anos 20, que cobre uma época turbulenta, porém muito criativa, da velha capital federal. Partindo da modestíssima participação do Brasil na I Guerra Mundial, Castro tem fôlego para encarar o período que vai da de- vastação provocada pela gripe espanhola à chegada ao Rio dos gaúchos, na Revolução de 30, com Getúlio à frente da Aliança Nacional Libertadora, sepultando a República Velha. A gripe passou como um furacão pela cidade, não poupou ricos nem pobres.
Famílias inteiras foram dizimadas, e não poucas figuras notáveis viram a sombra da morte cruzar a soleira da porta de seus palacetes, assim como fazia nos barracos das encostas descuidadas. O ano de 1918 chegou ao fim com a paz selada na Europa e o Rio vencendo a tormenta da gripe, incinerando seus mortos, mas já se pla- nejando para o recomeço em grande estilo. No Carnaval de 1919, a epidemia virou marchinha numa folia inesquecível: “Na Quarta-Feira de Cinzas, o Rio despertou convicto de que vivera o maior Carnaval de sua história”, diz Castro. A cidade recuperada se preparava para grandes momentos.
O que viria pela frente não poderia ser pouco. O Rio cosmopolita destoava do restante do país, ainda muito provinciano. Era a capital federal, que encantava os visitantes com modernidades, recantos belíssimos e uma vida
comparável à dos grandes
centros da época no exterior. Cultura, diversão e boemia atraíam gente de toda parte. A cidade reunia poetas e romancistas, músicos como Villa-Lobos, jornalistas e artistas iniciantes como Di Cavalcanti, embora ainda fosse um luxo desfilar pela Rua do Ouvidor, no Centro, onde o comércio tinha a oferecer as novidades vindas da Europa e a gente graúda exibia sua elegância e proeminência. “Era a cidade que todos os brasileiros sonhavam conhecer. Os que a visitavam e, se- manas depois, voltavam para os seus burgos, contavam emocionados como tinham viajado de bonde ao lado de Olavo Bilac”, escreve Castro.
As ideias pululavam quando, em 1922, essa inquietação se traduziu na eclosão do modernismo, na fundação do Partido Comunista do Brasil e na Revolta dos 18 do Forte, inaugurando o ciclo tenentista, que culminaria na Revolução de 30. Os modernistas, com Mario de Andrade, Menotti del Picchia, Guilherme de Almeida,
Cassiano Ricardo, Ronald de Carvalho, Manuel Bandeira e outros à frente, desafiavam o establishment literário ao confrontar a já tradicional Academia Brasileira de Letras, com Graça Aranha denunciando o passadismo predominante nas artes brasileiras. Jovens como Olegário Mariano e Álvaro Moreyra, cultos e viajados, levavam a modernidade às páginas dos jornais e revistas ilustrados por caricaturistas debochados e de traços frescos — entre eles K.Lixto, J. Carlos e Alvarus.
Desfilam pelas quase 500 páginas do livro, no estilo claro e elegante do autor, as figuras que compuseram um amplo painel na vida cultural do país a partir da Cidade Maravilhosa. Gente como o escritor Lima Barreto, morto mal entrada a década, de quem Castro destaca o talento, a personali- dade contraditória e atormentada, as idiossincrasias e os preconceitos. O poeta Murilo Mendes, a cantora lírica Bidu Sayão, o chorão Pixinguinha, o pintor Ismael Nery, o crítico literário
Agripino Grieco e toda a fauna artística e intelectual da época dividem espaço com remanescentes da velha aristocracia órfã do Império, a elite republicana da nova ordem já carcomida e figuras populares, numa promiscuidade saudável e até então tímida no Brasil do século XX.
É por meio de figuras da socieda- de, anfitriãs discretas, literatos de alto coturno e suas obras que a his- tória do período vai sendo contada. Criaturas conspícuas como João Paulo Emílio Christovam dos Santos Coelho Barreto, ou simplesmente o João do Rio, jornalista, escritor e fi- gura obrigatória em reuniões das melhores casas, mas que também podia ser encontrado adentrando os morros ou se perdendo pelos subúrbios. “Subiu às favelas, varejou o universo dos cortiços, penetrou nos covis de ópio, visitou presídios e foi apresentado aos ritos satânicos” — assim descreve Castro a vida do controverso autor, dramaturgo, cronista, romancista e tradutor cujo funeral fechou o pequeno comércio dos portugueses, que o veneravam.
Os anos eram de transgressões, vanguardismos, dissipação — e drogas — na vida e nas artes, o que provocou reações vigorosas. Uma Liga pela Moralidade denunciava a “derrocada dos costumes”, namorava a censura e projetava um saneamento de textos literários. Na mira dos moralistas, a cena editorial carioca, que gerava obras desafiadoras como A Fêmea, de Orestes Barbosa, livro que envereda por um carrascal de adultério, homossexualidade, prostituição e até zoofilia. O Rio se despregava do Brasil dos coronéis.

As mulheres, que pelo país se descabelavam no tanque e no fogão, começavam a sair da casca na metrópole. Algumas fumavam, faziam poesia, discutiam política, trabalhavam na imprensa e se emparelhavam aos homens na vida cultural da cidade, com roupas mais leves e cabelo à la garçonne. Elas estavam à frente da luta pelo direito ao voto e manifestavam um feminismo ainda incipiente, mas já atrevido.

O quadro político, os costumes e a cultura que convulsionaram a capital do país nos loucos anos 20 estão descritos às minúcias em Metrópole à Beira-Mar, prosa agradável e retrato detalhado de um período inigualável. Conhecer essa parte da nossa história guiado por Ruy Castro é um prazer.



As Vinhas da Ira

John Steinbeck



A Grande Depressão, que fez sofrer a população americana nos anos 30, foi agravada para os fazendeiros do Oklahoma e estados vizinhos pela tempestade de areia, que por uma década castigou as plantações, levou proprietários à falência, colocou na rua uma legião de meeiros e fez a alegria dos bancos. Expulsos das terras que mudavam de mãos, os “okies”, como eram chamados pejorativamente, rumaram em legiões para a Califórnia, em busca de trabalho e um cantinho para viver. A fuga da fome expõe essas populações a todo tipo de humilhação e intolerância. As Vinhas da Ira, que conta essa saga de modo dramático, foi publicado em 1939 e valeu a John Steinbeck o prêmio Pulitzer de 1940. O êxodo rural naquela conjuntura é visto sob a ótica do jovem Tom Joad, que sai da prisão em liberdade condicional no exato momento em que a família inicia sua jornada no rumo oeste. A jornada é longa, sofrida e serve ao autor para compor figuras bastante estereotipadas. Do xerife barrigudo, corrupto e autoritário aos pobres cheios de nobreza, passando pelos capitalistas cruéis e pelos grupos de intolerância, frutos de um sistema dentro do qual não há salvação. O fenômeno é muito bem retratado e tem base na realidade histórica, mas o autor, motivado pela crise cruenta dos anos 30, se serve dele para fazer um discurso anti-sistema e uma exaltação do coletivismo. É de arrepiar saber que o acampamento do governo, gerido pelos próprios retirantes, pintado como um lugar justo, limpo e belo, tem no comando um Comitê Central. A cena final, na qual se dá a redenção de Rosasharn, a filha egoísta, é de uma pieguice extrema. Obra favorita de Steinbeck, As Vinhas da Ira é esteticamente inferior às menos badaladas O Inverno da Nossa Desesperança e Ratos e Homens. 


A Leste do Éden
John Steinbeck





 Lido na sequência de alguns exemplares de Faulkner, A Leste do Paraíso, de John Steinbeck, fica parecendo receita de bolo. Um bolo grande e complexo, de preparação elaborada e intensa, mas ainda assim um bolo fácil de digerir. A prosa truncada, despejada aos borbotões, num fluxo avassalador, das obras de Faulkner é um vatapá apimentado comparado ao confeito do autor de As Vinhas da Ira. Fica a forte impressão de que Faulkner é arte e Steinbeck técnica. A luta bíblica do Bem contra o Mal é o que está por trás desse romance muito questionado, mas um dos preferidos do próprio Steinbeck. O título faz referência ao lado do Éden para onde Caim foi exilado, depois de ter matado o irmão Abel. Ao despachá-lo, o Criador teve um diálogo com o fratricida: “Se procederes bem, certamente voltarás a erguer o rosto, se procederes mal, o pecado deitar-se-á à tua porta e andará a espreitar-te. Cuidado, pois ele tem muita inclinação para ti, mas tu DEVES dominá-lo”. Os personagens de Steinbeck, no entanto, discutem o fatal DEVES, pesquisando as versões bíblicas em busca do significado do original hebraico "timshel", PODES, que retira do diálogo o tom determinista. Esse dilema permeia a saga das famílias Trask e Hamilton, vizinhos de rancho no Vale do Salinas, na região da média Califórnia. Recém casado, Adam Trask chega do Leste com a mulher grávida. Cathy é uma estranha a quem ele recolheu e tratou, depois que um amante a arrebentou de pancadas. Em busca de um objetivo na vida, Adam toma para si a tarefa de recuperar a mulher e acaba se apaixonando. Mas Cathy é uma psicopata, que vai usá-lo de modo terrível. Depois que se mudam para o Vale do Salinas, ela dá à luz os gêmeos Cal e Aron (possíveis filhos de seu irmão Charles, que ele julga seus). A mãe rejeita os filhos, atira no marido, ferindo-o no ombro, e foge para a cidadezinha próxima, onde se esconde durante anos, trabalhando com o nome de Kate, na zona do meretrício. O pai diria aos filhos que a mãe morrera no parto. A psicopata, que ainda jovem fugira de casa depois de provocar a morte dos pais, acabaria matando também a dona do bordel no qual trabalhava, assumindo o comando dos negócios. O drama todo se desenrolará em torno desse segredo, que desvendado provocará nova tragédia na vida da família. O bom Aron tem um destino trágico por uma inconfidência do irmão ciumento, o pecador, que por fim tem a oportunidade bíblica de salvação naquela palavra (timshel), a última pronunciada por seu pai no leito de morte. Onde entram os Hamilton nisso? Uma típica família rural americana, com tantos princípios quanto filhos, os Hamilton parecem ter sido colocados na trama para funcionar como um contraponto aos desajustados Trask. Cada filho opta por um destino, todos eles ajustados à realidade americana de sua época. A história vai dos anos 60 do Século XIX (Guerra da Secessão) até as duas primeiras décadas do Século XX. O cenário é a região californiana onde o autor nasceu e para onde volta sempre que pode em seus romances.


Absalão, Absalão
William Faulkner




Quentim Compson, o filho mais velho da família protagonista de O Som e a Fúria, o estudante que durante sua passagem por Harvard morre por suicídio ao se jogar no rio Charles, é o narrador principal de Absalão, Absalão, que nos conta a saga do ambicioso Thomas Sutpen, cujos planos rigorosamente seguidos por décadas - frustrados pela guerra - resultam na tragédia que o acompanha por quatro gerações. Ao longo da narrativa, essa macabra história que se desenrola ao longo do Século XIX até início do Século XX é marcada pela miséria humana da escravidão e suas consequências e da Guerra Civil que colocou irmãos contra irmãos, marcando para sempre o Sul dos Estados Unidos. O racismo e a decadência material e moral condenando a região, antes próspera com seus intermináveis campos de algodão da velha economia, a uma intransitividade que abate o caráter de sua população. O texto - realizado com a técnica do fluxo de consciência do qual Faulkner é mestre - marcado pelos longos parágrafos truncados por parêntesis, travessões, aspas e frases intercaladas, tem tradução de Celso Mauro Paciornik e Julia Romeu, nesta edição da Cosac Naify (2014). 

A árvore dos desejos
William Faulkner



Livro infantil do gênio da literatura americana, publicado em 1927, quando ele ainda era um jovem escritor desconhecido (dois anos depois, com Sartoris e O som e a fúria, ele colocaria os pés no hall da fama dos grandes autores do Século XX). Conta a história de um grupo de crianças que saem em busca da árvore mítica montados em pôneis de borracha. A historinha expõe aos pequenos valores morais importantes. Tradução de Leonardo Fróes, bem ilustrado em preto e branco por Guazelli. Capa dura em bela edição da editora Cosac Naify.


O intruso 
William Faulkner



O intruso (Intruder in the dust, 1948 – Benvirá, 2012) é um romance policial escrito na maturidade de Faulker. A história é contada da perspectiva do jovem Charles Mallison, “Chick”, sobrinho do advogado Gavin Stevens, que com ele forma a dupla central da trilogia Snopes. Stevens seria ainda o promotor dos contos de Lance mortal (1949). Pelo livro desfilam personagens e famílias cuja presença é constante nos livros de Faulkner, que têm seu cenário no fictício condado de Yoknapatawpha, no norte do Mississipi. Com um texto de longuíssimos parágrafos cheios de frases intercaladas, travessões, parênteses e aspas que atropelam a narrativa num fluxo às vezes vertiginoso, o livro conta a história de um negro orgulhoso, incapaz de pedir um favor, acusado de matar o filho mais novo de uma família de típicos racistas do sul, uma cepa de gente de pouco trabalho e muita confusão. Sentindo-se devedor do acusado, que lhe fizera um favor no passado, o jovem Charles, de 16 anos, atende a um apelo do encarcerado, que lhe oferece pagamento pelo serviço, e se mete numa tremenda confusão para provar sua inocência. A história serve de pretexto para Faulkner filosofar sobre a intransitividade dos sulistas, afogados em preconceitos e ressentimentos que remontam ao fim da escravidão e à derrota na Guerra da Secessão. A dura tarefa da tradução de Leonardo Fróes contém pecadilhos, como atribuir um tambor à luger, uma pistola alemã da Primeira Guerra Mundial, que na verdade utiliza um pente, como acontece com as pistolas do gênero. A revisão deixou passar “pasteis”que não comprometem o entendimento. 

O povoado
A cidade
A mansão
William Faulkner


A trilogia Snopes (O Povoado, 1940, A Cidade, 1957 e A Mansão, 1959) conta a saga de uma família que vai chegando ao povoado de Frenchman's Bend e se espalhando pela região até a cidade de Jefferson, no fictício condado de Yoknapatawpha, no norte do Mississipi, onde se desenrola o enredo de mais de uma dezena de romances de Faulkner. Sem se saber de onde surgem, eles chegam aos poucos e continuam chegando por décadas e ocupando espaços na sociedade. Quando um Snopes sobe um degrau, surge um parente para assumir o degrau por ele deixado. São unidos mais por um instinto do que por amor familiar. Agem como uma cepa maligna que vai se espalhando e a tudo contaminando. São professores, ferreiros, comerciantes, funcionários, fazendeiros. Alguns deles são capazes de tudo. Até de ser honestos. Mas a vasta ficha dos Snopes se compõe na realidade de desonestos comerciantes de cavalos, estelionatários, ladrões, corruptos e corruptores, chantagistas e incendiário, cafetães e assassinos. São predadores ferozes, mal vistos pelos locais num conflito surdo e permanente entre recém-chegados e já instalados. “Na verdade era como se os Snopes fossem algum tipo de princípio hermafrodita profundo e incontroverso para o avanço da raça, uma espécie, o princípio sempre representado fisicamente pelo macho, qualquer órgão anônimo conceptivo ou gestativo atraído pelo raio para conceber e dar à luz, repetindo o princípio masculino e depois se desvanecendo; as mulheres Snopes incapazes de produzir um Snopes e assim tão inofensivas como o mosquito transmissor da malária do qual só a fêmea é forte e potente, mas virada de cabeça para baixo e para trás. Ou até mais do que um simples princípio natural, um princípio divino, a mão insone do próprio Deus, infatigável e constante, ou então eles teriam sido donos de toda a Terra, não só de Jefferson, Mississipi”. Mas não se pense que os Snopes são uma máfia unida e fechada em seus objetivos comuns. Um Snopes alavanca outro pensando em seu próprio umbigo. Estratégia pessoal. Um Snopes mais esperto não hesita em atropelar outro que esteja em seu caminho, ou em descartá-lo depois de tirar do outro todo o proveito. Não há solidariedade e compaixão entre eles. Só interesse. Através dos Snopes, Faukner faz um retrato contundente da formação da sociedade rural sulista pós-Guerra Civil. Tanto os Snopes quanto boa parte dos personagens já eram conhecidos dos leitores de Faulkner, como o advogado Gavin Stevens, personagem central de Lance Mortal (1949), ou o banqueiro Sartoris (aqui já falecido, mas citado), que empresta o nome ao romance de 1929 que deu inicio à série de livros sobre o condado de Yoknapatawpha e região. Com os Snopes, Faulkner ata as pontas de todas as histórias contadas em seus livros anteriores e parece concluir o longo ciclo, que no entanto voltaria ao prelo com Os Desgarrados (1962). 


Finn’s hotel
James Joyce



Rascunho que precedeu Finnegan's wake (como desconfiam alguns) ou livro original intermediário entre Ulysses e a obra-prima de James Joyce (como apostam outros) Finn's hotel - o livro perdido de J. J. - foi escrito em 1923. Mas os manuscritos dessa obra só foram descobertos em 1990, causando grande rebuliço entre os estudiosos e admiradores do escritor irlandês. Uma longa batalha judicial retardou sua publicação em mais de duas décadas. No Brasil, o livro saiu este ano pela Companhia das Letras, em tradução de Caetano W. Galindo, autor de uma Nota do Tradutor esclarecedora. Segue-se a introdução do joyceano Seamus Deane, James Joyce e sua história da Irlanda, ainda mais esclarecedora na tarefa de situar Finn's hotel no contexto da obra e do tempo de Joyce.


O último magnata
F. Scott Fitzgerald



F.Sscott Fitzgerald morreu em 1940, aos 46 anos. Já era um grande autor, um dos maiores que a América conheceu. É de se acreditar que, apesar de já ter escrito uma obra-prima como O grande Gatsby, ele ainda estivesse crescendo como escritor e que pudesse crescer muito ainda na maturidade. Por esta razão, não é de estranhar que o crítico Edmund Wilson tenha tomado para si a arriscada tarefa de editar, concluindo, este O último magnata (1965), que Fitzgerald deixara incompleto. Para Wilson, ele próprio um prosador extraordinário, havia nos originais elementos para acreditar que Fitzgerald se superava nessa nova empreitada. A propósito: o livro trata das intrigas, negócios e paixões no mundo dos estúdios de cinema de uma Hollywood florescente, nos anos da Grande Depressão.

Um bonde chamado desejo
Tennessee Williams



Thomas Lanier (1911-1983) consagrou-se como um dos maiores escritores do Século XX sob o pseudônimo de Tennessee Williams. Sua peça Um bonde chamado desejo, encenada em 1947, deu um impulso à carreira do ator Marlon Brando e virou filme de Elia Kazan. Editada em livro, valeu ao autor o prestigiado Prêmio Pulitzer. Moça refinada, filha da aristocracia decadente do Sul dos Estados Unidos, vê-se no desamparo e é obrigada a ir morar com a irmã, casada com um operário grosseirão, num bairro pobre de New Orleans. A trama corre numa tensão de fio desencapado.

A pérola
John Steinbeck 



O consagrado autor americano emprega seu talento nessa pequena novela de 1945, que fala das agruras de um casal de pescadores nativos mexicanos na luta pela sobrevivência. Quando a sorte lhes sorri, em vez de ter início sua redenção, começa seu verdadeiro tormento. Como é comum na obra de Steinbeck (1902-1968), A pérola tem como foco a vida simples de pessoas comuns em sua luta diária contra o destino que lhes coube.

Por quem os sinos dobram
Ernest Hemingway



Ernest Hemingway serviu como correspondente na Guerra Civil Espanhola e colocou todo o seu talento numa ficção bastante realista, vigorosa e, às vezes, sublime do conflito. Como tudo no autor, o livro tem fortes componentes autobiográficos. Os horrores praticados por comunistas e fascistas, republicanos e franquistas, estão relatados em toda a sua crueza. O livro, lançado em 1940, foi votado como melhor do ano por unanimidade dos jurados do Pullitzer, mas a escolha foi vetada por pressão política, e não houve a premiação naquele ano. Hemingway ganharia o Pulitzer 13 anos depois, com O velho e o mar (1953). Ganharia também o Nobel de Literatura, em 1954. O livro conta a história de um pequeno grupo de revolucionários cuja tarefa é destruir uma ponte estratégica atrás das linhas inimigas. Os tipos humanos descritos com cores fortes em sua psicologia complexa são o ponto alto do romance, muito mais do que o contexto histórico, por si só extremamente dramático. No Brasil, o livro saiu em 1941, pela Companhia Editora Nacional em tradução de Monteiro Lobato. A presente edição é de 2014 e sai pela Bertrand Brasil.

Ter e não ter
Ernest Hemingway



Quem pensa que O velho e o mar é um romance sobre pescaria se engana. A luta do velho contra o marlim, descrita em detalhes, é apenas o cenário para o autor filosofar sobre valores que distinguem os homens dos meninos. Valores que moldam um caráter. Se fosse para falar de pescaria de marlim no Caribe, bastariam as cenas deste Ter e não ter, único de seus romances ambientado em território americano. Quem o via às voltas com tramas relacionadas às touradas, à revolução espanhola, à boemia literária francesa ou aos safaris africanos, deve ter estranhado essa história gestada enquanto vivia em Key West, na Flórida. Mas a narrativa e a composição dos personagens, com elementos fortemente retirados de sua experiência de vida concreta, não deixam margem para dúvidas: é um Hemingway de primeira linha. Pré-revolucionários cubanos, traficantes de bebidas e gente, gângsters e toda a fauna marinheira compõem o elenco de personagens, dentre os quais o anti-herói Harry Morgan, que luta em seu barco para sustentar mulher e três filhas, não se furtando a ultrapassar limites nessa tarefa.


Narrativas do espólio
Franz Kafka




Narrativas do espólio (Companhia das Letras, 2002) reúne 31 contos inéditos de Franz Kafka (1883-1924) selecionados e editados postumamente por seu testamenteiro. São peças escritas entre 1914 e 1924, que o autor queria manter inéditas, pois lhes fazia restrições. Perfeccionismo de um mestre no gênero, que nos privaria de obras bastante inspiradas e representativas de sua prosa tão peculiar, muito imitada, mas nunca igualada. Kafka é único.


Um teto todo seu
Virgínia Woolf




Para que as mulheres tivessem o mesmo desempenho dos homens na ficção (ou nas artes em geral), seria necessário que elas tivessem conquistado a independência econômica e um teto só seu, que lhes garantisse a privacidade para escrever livre da vigilância masculina. Resumidadente, é disso que trata o ensaio Um teto todo seu, de Virgínia Wolf (1882-1941) originado de duas conferências que ela fez em instituições de ensino para mulheres, em Cambridge, em 1928. O texto final foi publicado em livro no ano seguinte e tem elementos importantes para esse debate.


O menino e o alazão 
John Steinbeck




O menino e o alazão é a reunião de quatro contos, que já haviam sido publicados separadamente num só volume, funcionando como que capítulos de uma novela. É uma obra pouco badalada do premiado escritor americano John Steinbeck (1902-1968), que apesar da complexidade psicológica dos personagens é enquadrada no selo de literatura infanto-juvenil. Lançado em 1933, é um relato comovente da vida simples no campo, nas montanhas do sudoeste americano, onde o autor nasceu. A interação do menino Jody com os animais do pequeno rancho, onde vive com os pais e um experiente peão, é o fio condutor da novela. As alegrias e frustrações na busca da realização de seu sonho de possuir um pônei agem no processo de amadurecimento do garoto, colocando-o à altura do enfrentamento das vicissitudes da vida. O autor de Vinhas da Ira, conhecido por retratar as lutas do homem pela sobrevivência num mundo cheio de dificuldades, expressa nesta curta história sua paixão pelas coisas banais da vida simples dos homens do campo. A valorização do trabalho braçal e uma certa nostalgia pastoril marcam o livro, pleno de emoção e sentimento.


Verdade ao amanhecer 
Ernest Hemingway




Verdade ao amanhecer foi escrito em 1953 e só foi publicado em 1999, quase meio século depois. Trata-se de um relato da última incursão do autor à África, no Quênia sob domínio britânico. Fala da vida numa área de caça, do combate aos caçadores ilegais, do perigo de ataque de guerrilhas anti-colonialistas (os Mau-Mau) e do dia-a-dia no boma, fortificação rústica onde os pastores se resguardavam do ataque de feras e de inimigos. Sua preocupação com a literatura, a relação profunda e complexa com Mary (fixada em matar - ou não - seu primeiro leão) e, claro, a bebida estão presentes da primeira à última página. Verdade ao amanhecer mereceu interferência além do normal no texto por parte dos editores, que garantem não ter mexido no cerne do relato, mas apenas em detalhes formais secundários.

O Jardim do Éden
Ernest Hemingway



Escrito em 1961, mas só publicado em 1986, O Jardim do Éden revela um cenário de luxo e luxúria no verão numa praia da França mediterrânea, pano de fundo para um drama íntimo do casal em lua de mel. Num ambiente hedonista, eles se vêem às voltas com bebidas, noitadas, intriga amorosa, infidelidade e ciúme. Nesse mundo sensual, David Bourne, um escritor americano, se debate entre uma vida desenfreada e a necessidade de ordem e disciplina, que seu ofício exige. A concentração se torna cada vez mais difícil com a introdução de um terceiro elemento na equação: a sensual Marita. É um autênticos Hemingway, cuja leitura é sempre muito agradável.


Memórias do condado de Hecate
Edmund Wilson




Memórias do condado de Hecate (Companhia das Letras, 1999), de Edmund Wilson, foi publicado nos Estados Unidos em 1942. Dividido em seis contos, é uma crônica da vida intelectual e boêmia de uma elite nova-iorquina na era do jazz e da grande depressão. A prosa rica, elegante e saborosa, teve uma boa tradução, trabalho nobre que nos propicia a leitura de clássicos que de outro modo teriam de ser vistos sob as barreiras da língua. Grandes autores estrangeiros só podem ser apreciados inteiramente por quem domina de modo completo e profundo a língua na qual escrevem. Você pode ler a imprensa, livros de história, uma biografia ou qualquer folhetim menor na língua original, mesmo não a dominando tão bem. Mas não pode apreciar em sua inteireza um romance de grande autor. A não ser numa bela tradução. Se em Faulkner o tradutor mergulha num pântano atravancado de travessões, parênteses e intercaladas nervosamente espalhados ao longo do texto, a merecer uma taxa de insalubridade pela tarefa de nos revelar o lírio ali escondido, no crítico respeitado e excelente prosador Edmund Wilson (1895-1972) ele precisa apenas surfar nos longos períodos de longuíssimas frases nos quais o autor põe poesia na descrição de personalidades, relacionamentos, sentimentos e paisagens. A penetração aguda na psicologia dos personagens vem emoldurada pelos cheiros, cores e luzes do ambiente, retratado sempre com uma riqueza de detalhes nada enfadonhos. Mesmo quando imagina ou sonha, o personagem narrador não esboça, mas faz um retrato rico e complexo do universo de seu delírio. Memórias do condado de Hecate mereceu uma condenação como publicação obscena numa América moralista da primeira metade do Século XX.


Retrato do artista quando jovem
James joyce




Retrato do artista quando (1916) jovem, romance de estréia de James Joyce, reapresenta a temática da qual o autor já tratara nos contos reunidos em Dubliners (1914). Através do processo no qual os pensamentos e memórias vão fluindo em borbotões, Joyce introduz o leitor na mente do personagem, como que pleiteando sua cumplicidade. Stephen Dedalus é um jovem de fortes ambições estéticas às voltas com seu condicionamento moral, cultural e religioso do qual precisa se desvencilhar para desenvolver sua arte. Obviamente, o personagem é o alter ego de Joyce e suas preocupações e idiossincrasias já estavam presentes em seus contos.


Dublinenses
James Joyce




Dublin e a Irlanda estão no coração de James Joyce e em sua obra. Impossível pensar no escritor sem Dublin, presente em seus livros mais importantes, desses contos a Ulysses ou Finnegans wake. Mas antes de se atolar no lamaçal narrativo de seus clássicos, é importante começar por Dubliners (Dublinenses), livro no qual ele trata, de modo sóbrio, mas crítico e contundente, da grande cidade-aldeia que sonha abrir para o mundo. São quinze contos iniciados com As irmãs (1904), escrito originalmente para a revista Irish Homestead, e publicados em livro dez anos mais tarde. O livro foi mal recebido em seu país, pois amor à terra não significava para ele complacência e cumplicidade. Seus contos tratam da paralisia, da passividade, da corrupção e da estreiteza moral de uma Irlanda intransitiva, terra que sonha tirar a fórceps do marasmo intelectual. A reação foi de tal ordem que seu primeiro editor não conseguiu imprimi-lo porque o tipógrafo se recusou a fazê-lo. Isso numa época na qual tipógrafos liam, tinham opinião e eram respeitados.

1889
Laurentino Gomes



Aprender sobre a História do Brasil é sempre importante. Mas muita gente acha esta uma matéria chata, cheia de datas, nomes e fatos duros de decorar. O jornalista Laurentino Gomes desenvolveu um trabalho que ajuda muito nessa tarefa. Focado em três datas fundamentais de nossa história, ele escreveu livros que numa linguagem agradável e clara colocam o leitor a par de acontecimentos que todo brasileiro deveria conhecer e que refletem no que somos hoje como nação. O primeiro livro, 1808, conta a chegada da família real portuguesa e a transferência da corte para o Brasil. No segundo volume, 1822, a Independência e o nascimento de um novo país. Finalmente, a Proclamação da República no volume 1889, no qual, como num romance, ficamos sabendo dos momentos que antecederam o fato, as intrigas e articulações de civis e militares que dariam início à aventura republicana entre nós. 1889 é um bom esboço de como acontecem as articulações políticas, as conspirações, os golpes e as insurreições entre nós. Ali já estavam presentes as sementes que germinariam nos levantes tenentistas dos anos 20, na Revolução de 30, no golpe de 1937, nas tentativas de assalto ao poder dos anos 50 e, finalmente, na redentora de 1964.  

Pomas, um tostão cada
James Joyce



Li com grande prazer essa edição de 2001 (Iluminuras), que reúne versos cometidos pelo contista e romancista irlandês entre os anos de 1904 e 1932. Seus amores, a vida famíliar, a mentalidade tacanha de seus contemporâneos, as dificuldades da vida de um escritor numa época conturbada são a temática dessa baciada de poemas. A tradução deve ter custado alguns fios de cabelo branco a Alípio Correia de Franca Neto, autor também da introdução - um excelente ensaio - sem a qual ficaria muito difícil penetrar no universo do autor.


O tronco
Bernardo Elis




Poucas vezes o coronelismo, o mandonismo local (tão bem estudado por Maria Isaura Pereira de Queiroz) e o jaguncismo foram pintados com cores tão fortes como neste romance de Bernardo Elis. O tronco é um representante tardio do regionalismo (no caso o cenário é o sertão de Goiás, terra do autor e onde se passa a trama do grosso de sua obra), sua primeira edição é de 1956. Mas outros grandes livros com essa temática chegaram a ser lançados por esse tempo e até nas décadas seguintes. É o caso de O coronel e o lobisomem, de José Cândido de Carvalho (1964), O chapadão do bugre, de Mario Palmério (1965), Tocaia grande, de Jorge Amado (1988). Coincidentemente, ou não, todos estes autores, incluindo Elis, foram acadêmicos da ABL. Esta edição da José Olympio é de 2003 e tem na capa uma bela ilustração do grande Poty. 

O grande Gatsby
F. Scott Fitzgerald



Trata-se de um grande livro desse período de mestres americanos. O livro pinta um retrato da vida conspícua dos ricaços da costa leste americana no período de prosperidade que antecedeu a Grande Depressão. Dinheiro, mansões, recepções, amores frustrados, traição e dissipação numa linguagem clara e elegante, elementos que fizeram de Fitzgerald um dos expoentes da Geração Pedida, como a classificou Gertrud Stein.


Os desgarrados
William Faulkner




Os desgarrados (The reivers, 1962), Editora ARX, o último romance de William Faulkner (1897-1962), é publicado aqui com o título de Os invictos. Como quase todo o conjunto da obra de Faulkner, este romance é ambientado no sul dos EUA, marcado ainda pela derrota na Guerra da Secessão, pelos problemas raciais e pela decadência econômica. Um garoto se junta a dois empregados do avô, com os quais foge em seu carro (máquina rara no começo do Século XX naquelas paradas) rumo a Memphis, se metendo em diversas confusões. Mas o curioso dessa edição (2003) é que ela traz o título de outro livro, de 1938 (The unvanquished), que aqui no Brasil e em Portugal foi publicado como Os Invencidos e no mundo hispânico sob o título Los invictos. Este The reivers, na verdade, é Os desgarrados, título com o qual chegou a ser lançado por aqui no passado. A editora que se explique.
PS: O carro roubado pelos três aventureiros é um dos primeiros calhambeques e as estradas que pegam eram as do úmido e barrento sul dos EUA. Mas na capa do livro aparece um jipe moderno trafegando numa paisagem seca e desértica. Na edição de 2012, já pelo selo Benvirá, a capa está boa. Um calhambeque mais convincente numa estrada mais real. Mas o título continua errado.

A boca do inferno
Otto Lara Resende




Lançado em 1957, A boca do inferno valeu a Otto Lara Resende algum constrangimento por tocar, em sete contos que mergulham na complexidade da alma humana, em questões delicadíssimas para a época, como o incesto, o estupro, o assédio moral e sexual, a masturbação e os desequilíbrios psicológicos, dos complexos mais ordinários à psicopatia assassina, com a agravante de que essa temática se desenvolve no universo infantil e adolescente. Tudo num cenário pacato de cidades do interior. Talvez isso explique o fato de o livro nunca ter sido reeditado enquanto o autor viveu. A segunda edição só veio a lume em 1998, seis anos após a morte de Otto.

Riso no escuro
Vladimir Nabokov



A literatura moderna da primeira metade do Século XX é rica. Essa edição de Riso no escuro (Vladimir Nabokov, 1938), lançada em 1998 pela Cia das Letras, não traz o título nem o autor na capa. Só na lombada. Não quiseram poluir o desenho de Chip Kidd. O livro é uma espécie de Lolita com algum pudor. O cenário é a Berlim dos anos 30, na qual Albinus, cidadão exemplar, com um casamento perfeito, se apaixona por uma jovem de baixa extração, bela e maliciosa. Ao trocar a mulher, bela, mas um tanto fria, pela jovem amante Margot, ele entra nas trevas de sua desgraça. Momentos dramáticos, como a morte da filha, não escondem a intenção de humor negro que perpassa o livro. Parabéns às revisoras pelo texto limpo. Uma pedrinha: Como é que Axel Rex, que ao sair de casa certificou-se de não ter um centavo na carteira, atirou-se ao carteado, onde lucrou, depois de filar o jantar salvador na casa de Albinus? Hein, herr Nabokov?
PS: O livro foi lançado com uma meia sobrecapa de papel ruim, que trazia o título e o autor, e que se perdeu com o tempo.


A testemunha silenciosa
Otto Lara Resende



Na verdade, esta edição de 1995 (Cia. das Letras) reúne duas novelas curtas, ambientadas nos cafundós de Minas, escritas nos anos 60, reescritas e rebatizadas algumas vezes. Além da infância pobre e cheia de humilhações do menino Juquinha de A testemunha silenciosa (1962), o pequeno volume de 123 páginas traz o avarento Tibúrcio, usurário renitente que chega a um fim trágico em A cilada (publicada originalmente no volume Os sete pecados capitais, 1964). O cronista festejado, apesar de apresentado como um perfeccionista e de ter reescrito algumas vezes as duas obras, não chega a impressionar nas novelas que estão mais para contos longos.


A quinta coluna
Ernest Hemingway



Escrita em 1937, em Madrid, onde Hemingway cobria a guerra civil, A quinta coluna é sua única peça de teatro. O enredo gira em torno de hóspedes do Hotel Flórida, onde circulavam militares, correspondentes, espiões e prostitutas, durante o cerco da cidade por quatro colunas de tropas franquistas. Por trás das linhas se defesa, dentro da cidade, agindo sorrateiramente, os simpatizantes dos fascistas sabotavam a República. Era a quinta coluna. Com dificuldades para encenar a peça, Hemingway a publicou em livro em 1940.

O velho e o mar
Ernest Hemingway



O velho e o mar, de Ernest Hemingway (Bertrand Brasil, 2013) é de 1952 e valeu ao autor o Pulitzer do ano seguinte. Hemingway já havia sido o mais votado par ao prêmio, quando do lançamento de Por quem os sinos dobram, mas pressões políticas impediram que fosse premiado, num ano que ficou sem vencedor. O livro conta a luta de um velho pescador em final de carreira com o maior peixe que já havia fisgado. Um marlim gigante, que colocou à prova suas últimas reservas de força física. Mas quem pensa que O velho e o mar é um romance sobre pescaria se engana. A luta do velho contra o marlim, descrita em detalhes, é uma metáfora sobre valores que distinguem os homens dos meninos.


Do outro lado do rio, entre as árvores
Ernest Hemingway




Iniciado em 1949, em Cortina d’Ampezzo, e concluído no começo do ano seguinte, em Veneza, ambas na região italiana do Vêneto, é o sexto romance de Ernest Hemingway (1899-1961), portanto, uma obra da maturidade do escritor. Encaixado entre duas de suas obras-primas, Por quem os sinos dobram (1940) e O velho e o mar (1952), o livro foge um bocado da temática constante de seus escritos, sempre envolvendo a vida boêmia e literária da Europa, as touradas espanholas e as guerras e suas consequências. Trata-se de um romance que fala do amor de um militar cinquentão, castigado por ferimentos acumulados ao longo de várias batalhas em diversas guerras, por uma jovem de família rica de apenas 19 anos. O cenário é Veneza, e não há como deixar de lembrar de Thomas Mann e seu Morte em Veneza, embora os estilos não se comparem. O texto tem o mesmo vigor das demais obras de Hemingway, com diálogos fortes, frases curtas e diretas. Mas a crítica não entendeu assim, dando o livro como obra menor e banal. Nesta edição da Bertrand Brasil, a capa é primorosa, como de toda a coleção.

Sartoris
William Faulkner



Sartoris é terceiro romance de William Faulkner e é o primeiro que fala sobre a aristocracia escravagista do sul dos Estados Unidos, desde a Guerra Civil que dividiu o país até sua decadência no período entre-guerras mundiais. Com personagens inspirados em pessoas reais de sua família e da terra onde cresceu, Oxford, Mississippi, Faulkner foca esse período da história americana a partir dos acontecimentos que envolvem os descendentes do coronel John Sartoris, cuja personalidade sobrevive como um fantasma que oprime cada membro da família. A história se desenrola no condado fictício de Yoknapatawpha, que seria cenário de outras 13 obras posteriores de Faulkner. O livro foi escrito em 1927, mas só foi publicado em 1929 (mesmo ano em que saiu O Som e a Fúria), depois que o autor concordou em fazer grandes cortes no original. Uma versão completa, sem os cortes de 1929, só foi publicada em 1973, sob o título Flag in the dust.

O som e a fúria
William Faulkner



O som e a fúria marca o início da maturidade artística de Faulkner, que até então era muito influenciado pela literatura do final do século XIX. Publicada em 1929, mesmo ano de Sartoris (livro ainda influenciado pelo estilo vitoriano, cuja edição havia sido retardada e que só foi publicado depois que o autor fez uma grande redução no texto original), o livro define o estilo que o marcaria dali por diante. Como a maioria de seus trabalhos, a história se desenvolve no sul dos Estados Unidos, num condado fictício de sua terra natal, o norte do Mississipi, e conta a saga de uma família de ricos proprietários rurais, a nata da aristocracia sulista, cujo patriarca fora um herói da Guerra Civil. Os fatos aqui narrados se desenrolam nas primeiras décadas do Século XX e mostram de maneira dramática a decadência da família pela voz de três irmãos, o primeiro deles um deficiente mental. No final, um narrador onisciente assume o relato. Um dos maiores romances do século.


Enquanto agonizo
William Faulkner




Escrito de enfiada, em oito semanas, entre outubro e dezembro de 1929, Enquanto agonizo, de William Faulkner, é considerado por muitos um dos melhores romances em língua inglesa no Século XX. O cenário é mais uma vez o sul dos Estados Unidos, no condado fictício de Yoknapatawpha, Mississipi, onde se desenvolvem os enredos de mais de uma dezena de seus livros. Uma família de lavradores humildes parte em carroça para Jefferson, quilômetros distante, levando num caixão o corpo da mãe, que sempre dissera querer ser enterrada em sua terra. As aventuras e dificuldades ocorrem por todo o trajeto insano. A saga dos Bundren é um roteiro dramático escrito no estilo originalíssimo do autor de O som e a fúria, com a inovação de cada capítulo sendo focado nas ações de um personagem. Vários personagens secundários do romance já eram ou seriam conhecidos dos leitores de Sartoris, O som e a fúria, Os desgarrados e outros livros posteriores de Faulkner.


Luz em agosto
William Faulkner




Nas 440 páginas de Luz em agosto, as histórias paralelas de um branco com algum sangue negro atormentado pelo próprio preconceito e pelo racismo, e de uma jovem grávida em busca do pai da criança, que nunca retornou para buscá-la. Envolve ainda um pregador fracassado que tenta ajudar um solteirão sem eira nem beira apaixonado pela jovem grávida. O cenário é o de tantas obras de William Faulkner, o decadente sul dos Estados Unidos, sob a Lei Seca e uma legislação que consagra a segregação racial, num país ainda atormentado pelos fantasmas da Guerra Civil, de sete décadas antes, e da escravidão. Aqui, a questão racial, presente em quase toda a sua obra, ganha cores ainda mais chocantes. Publicado em 1932, o livro é mais acessível que O som e a fúria, de 1929, mas a complexidade psicológica de seus personagens é a de sempre. O romance é apontado com frequência como um de seus melhores - quando não o melhor - trabalhos.

Ratos e homens
John Steinbeck



Publicado em 1937, o livro conta a trágica história de dois amigos inseparáveis por obra do destino. Um deles é um sujeito encorpado (Lennie) que não se dá conta de sua força física que contrasta com a idiotia de nascença. Deficiência que o mete em constantes confusões, nas quais entra sem maldade e sem saber por quê. Ao outro (George) cabe carregar a cruz, por piedade, pena e amor fraterno. A tragédia de sua vida chega ao ápice num rancho do Vale do Salinas, na Califórnia, onde ambos, trabalhadores rurais errantes, conseguem se empregar para a colheita de grãos. O universo de Steinbeck é o dos homens simples e rústicos, vítimas das adversidades. No caso, as vicissitudes são agravadas pela Grande Depressão que se seguiu à quebra da Bolsa de Nova York (1929) e que jogou na estrada uma multidão de desempregados. No Brasil, o livro foi traduzido por Erico Verísssimo, em 1940. A edição da L&PM, tem tradução de Ana Ban. Um pecadilho: a pistola Luger que Carlson desmonta para limpar, depois de sacrificar o cachorro do velho Candy, não tem tambor, tem como carregador um pente. O detalhe é pequeno, mesmo, já que somos urbanos e “pacíficos”, mas o autor, tão meticuloso com os detalhes, se revira na tumba.


Os belos e malditos
F. Scott Fitzgerald




Fitzgerald retrata a vida em sociedade, um ambiente de ostentação, riqueza e cultura, com as intrigas, o ócio conspícuo e seus excessos, na chamada Era do Jazz. Os belos e malditos trata disso, da sociedade dos salões nova-iorquinos, com jovens ricos ou intelectuais - ou as duas coisas - se entregando a uma vida glamourosa, às noitadas, às bebedeiras e aos amores. Pode-se dizer que, num mundo correndo para a Crise de 1929, seus personagens são verdadeiros heróis da decadência, na concepção do acadêmico Viana Moog. Hoje, sua leitura, além de agradável diversão, nos ensina um bocado da história social e privada do período. O verdadeiro retrato de uma geração. O processo de decadencia de uma geração como o casal de protagonistas, Gloria e Anthony, ela filha de um industrial quebrado e ele herdeiro de um avô milionário e moralista que acaba por deserdá-lo, chocado com a vida de devassidão que leva, a seu ver, o neto indolente.

O inverno da nossa desesperança
John Steinbeck



Aqui, Steinbeck abandona sua terra natal, no Vale do Salinas, na Califórnia, palco de tantas de suas histórias, e se estabelece na Nova Inglaterra, na costa leste americana. Herdeiro de uma família das mais tradicionais da cidadezinha de New Bayton, Ethan acaba como empregado atrás do balcão da mercearia que já fora de sua família. Personagem central da trama, Ethan é uma criatura complexa, que deixa transparecer uma face de simplicidade ingênua e um humor constante, que camuflam sua verdadeira natureza. Ethan reveza com um anônimo a narrativa, e constrói o enredo aos poucos, dando pistas, se revelando um ser muito diferente do que parecia minutos antes. A posição social degradada parece não afetá-lo, mas é fundamental na formação dos filhos, Allen e Ellen, e na cabeça de sua mulher, Mary, um ser simples e amorável. Mas sua acomodação é apenas aparente, o peso da tradição familiar e o desastre que levou seu pai para o buraco não lhe saem da cabeça. Em vez de acomodação, ele matuta planos de vingança e de dar a volta por cima, pressionado pelo passado glorioso da família de desbravadores do lugar, pelo descontentamento dos filhos diante da falta de status e de dinheiro, e pelo desejo de oferecer à mulher, a quem ama muito, os confortos que ela merece. Mas os fatos assim colocados não explicam o teor do romance, que são os dilemas morais que ele tem de enfrentar, pressionado pelos fantasmas familiares do passado cobrando-lhe ética e retidão. Anseio de mudança, desejo de dar a volta por cima e inconformismo generalizado não transparecem de sua figura pública. Respeitado e admirado por sua honestidade e sinceridade, ele dá sinais o tempo todo de que pode não ser o que os outros pensam, mas quem acreditaria? O leitor mais atento perceberá antes da hora o desfecho dramático. Um dos melhores livros de Steinbeck, foi lançado em 1961, um ano antes de ele ganhar seu Nobel de Literatura e sete antes de sua morte.

Os invencidos 
William Faulkner



Lançado em 1938, Os invencidos (Unvanquished) reúne sete contos que funcionam separadamente, mas que em conjunto formam um romande consistente. Personagens presentes em outros livros de Faulkner aparecem por aqui, a exemplo da senhora Compson (a avó de O som e a fúria, cujo corpo os meninos são impedidos de velar dentro da casa, em 1898) e Ab Snopes, de uma família cuja saga mereceria três volumes do autor (O povoado, 1940, A cidade, 1957 e A mansão, 1959). A trama se passa nos arredores da cidade de Jefferson, no condado fictício de Yoknapatawpha (que seriam inspirados no condado de Lafayette e na cidade de Oxford, da vida real), palco do grosso das histórias de Faulkner. O centro da trama é a velha casa do coronel John Sartoris, que luta contra os ianques, envergando o uniforme cinza dos confederados, à frente de uma tropa irregular. No comando da casa, sua sogra, a velha Rosa Millard, que se mete em encrencas com o comércio de mulas tiradas por estelionato das mãos dos ianques e revendidas ao governo. Tudo com a cumplicidade do neto adolescente Bayard Sartoris (o velho do romance Sartoris, 1929) e Ringo, o menino escravo da mesma idade de Bayard, seu amigo inseparável. O drama da guerra civil é apresentado aqui em toda a sua violência, crueldade, e o forte impacto na vida das populações rurais do sul dos Estados Unidos, notadamente dos negros, libertados e lançados à própria sorte em meio à carnificina fratricida. Mas há espaço para momentos de humor diante das peripécias protagonizadas pelos familiares do coronel Sartoris. O comportamento nada previsível dos personagens e suas reações inusitadas mostram que o autor penetra fundo na conformação de seu caráter, antes de soltá-los nas páginas de seu livro,
pequeno, mas arrebatador.


Lance mortal
William Faulkner




Lançado em 1949, Lance mortal reúne seis contos nos quais o protagonista é o advogado Gavin Stevens, promotor num condado do Mississipi, o fictício Yoknapatawpha. Com formação em direito e filosofia, tendo passado por Harvard e Heidelberg, ele fracassa como defensor, mas é eleito promotor de Justiça, função na qual age como um detetive de policial noir da roça, envolvido em casos sangrentos que revelam a natureza humana em seus piores e melhores momentos. Os fatos se desenrolam no período entre guerras, até os anos 40, e tem como palco aquele de dezenas de outras obras de Faulkner: os grotões de sua terra natal, ainda marcada pela decadência pós-guerra sa secessão, o problema racial e a luta econômica entre recém-chegados e já-instalados, no conceito estabelecido por Maria Isaura Pereira de Queiroz. A velha oligarquia decadente, puritana, guardada muitas vezes por matriarcas, que viram morrer seus homens nos campos de batalha ou em conflitos políticos locais, sendo confrontadas com a modernidade e seus novos códigos, em meio a uma crise econômica e política global.


O sol também se levanta
Ernest Hemingway



Primeiro grande romance do autor, publicado em 1926, o livro retrata a vida boêmia e intelectual de Paris, no incício da década de 20, tendo com principal personagem o jornalista americano Jake Barnes, emasculado no campo de batalha durante a recém encerrada Primeira Grande Guerra (o próprio Hemingway havia se ferido na guerra, atuando como motorista de ambulância da Cruz Vermelha, na Iátlia). Um amor impossível atormenta e mantém Jake em pé, mas não o impede de viver aquele ambiente esfumaçado dos cafés parisienses, das viagens pela Europa, cercado de escritores, artistas, toureiros, playboys e aventureiros. O mesmo ambiente é o que encontraríamos décadas mais tarde no autobiográfico Paris é uma festa. A qualidade literária do escritor estava ali estabelecida.

Paris é uma festa
Ernest Hemingway



Escrito no final dos anos 50 e só publicado em 1964, três anos depois de sua morte, o livro fala de seus primeiros anos em Paris, onde praticamente completa sua formação, lendo os grandes autores e mantendo contato com nomes da “geração perdida”, que se tornariam, ou já eram grandes, como Ezra Pound, Gertrude Stein, James Joyce e F. Scott Fitzgerald, numa convivência que ajudou em seu amadurecimento. Livro autobiográfico, relata as grandes dificuldades financeiras por que passou com a primeira mulher, Elizabeth, e seu primeiro filho.


As ilhas da corrente
Ernest Hemingway




Escrito na década de 50, depois de O velho e o mar, As ilhas da corrente é o último romance de Ernest Hemingway. Mas o livro só foi publicado em 1970, nove anos depois de sua morte. A corrente de que fala o título é a gulf stream, que atravessa o mar do Caribe. Dividido em três partes, que funcionariam como novelas independentes, o livro conta a história de um pintor aventureiro Thomas Hudson, pai de três filhos de dois casamentos, que se reúnem na casa do pai em Bimini, uma pequena ilha das Bahamas, para as férias de verão. O livro contém elementos tirados da biografia do autor, como o fato de o personagem central ter morado sobre uma serraria, em Paris, com a primeira mulher e o filho mais velho, Tom. E também as atividades que o personagem, assim como ele, desenvolveram nas águas do Caribe, durante a Segunda Grande Guerra. Na primeira parte (Bimini), a luta pela captura de um enorme peixe espada pelo filho do meio, David, contada em detalhes, com o certo tom de epopéia, repete o duelo de O velho e o mar. A felicidade extrema gozada ao lado dos filhos e de amigos em férias contrasta com a dor, também extrema, diante da tragédia envolvendo as crianças. A segunda parte do livro (Cuba) se passa em Cuba, durante a Guerra. Thomas vive numa chácara afastada da cidade, cercado de um punhado de gatos, só com os empregados, se envolvendo com prostitutas e bebida, e se aventurando no patrulhamento do mar em operações nebulosas, uma atividade secreta relacionada à guerra. Seu filho Tom é piloto militar no conflito na Europa. A tragédia apanha o velho pintor novamente, com o raio caindo sobre sua cabeça pela segunda vez. Na terceira parte (No mar) Thomas está num barco civil, perseguindo os náufragos de um submarino alemão que massacraram uma aldeia de pescadores para roubar-lhes os barcos. Essa era sua atividade secreta, baseada em fatos reais, pois à bordo de seu iate Pilar, o autor patrulhou mesmo aquelas águas em busca de submarinos alemães e espionou colaboracionistas dos nazistas na ilha. Um grande livro de Hemingway, o melhor publicado postumamente.

Palmeiras selvagens
William Faulkner



Palmeiras selvagens é um dos grandes livros de William Faulkner. São duas histórias contadas paralelamente, em capítulos intercalados, e sem nenhuma conexão objetiva - a não ser no destino final dos dois anti-herois. Em Palmeiras selvagens, uma das histórias, o personagem central é um médico de pouca ambição que se formou com grandes dificuldades financeiras, mas por pouco não concluiu o estágio de residência, obrigatório. Recém formado, virgem aos 27 anos, se apaixona e foge - rumo à tragédia - com uma mulher casada, mãe de duas filhas. Em O velho (o rio Mississipi), temos as aventuras de um interno de presídio agrícola no meio de uma catastrófica enchente do rio, que força a transferência dos presos. Levado pelas águas, ele perde o rumo, salva uma mulher grávida e luta para se entregar, evitando o agravamento de sua pena. Se o médico se vê às voltas com questionamentos filosóficos, se entregando ao destino sem grande resistência, o condenado luta com as duras condições objetivas, fazendo o melhor que pode por si mesmo e pelos outros. Parágrafos longos de frases longuíssimas, intercaladas, entre parênteses, entre pontos e vírgulas e travessões, Faulkner não facilita para o leitor. Às vezes hermético  além da conta, seus personagens despejam seus relatos num fluxo muitas vezes alucinado.


Um verão perigoso
Ernest Hemingway




Contratado pela revista Life para cobrir a temporada de touros de 1959, na Espanha, e fazer um relato que seria publicado numa edição monográfica, Ernest Hemingway viu-se no meio de um embate brutal, embora fraternal, entre o jovem toureiro Antonio Ordoñez e seu cunhado Luiz Miguel Dominguín, já veterano e decadente. A edição da revista foi um sucesso, mas lançado em livro soou como deja vu monótono, para quem já o vira tratar do assunto em O Sol Também se Levanta e, sobretudo, em Morte na Tarde (1932, livro do qual o relato de 1959 é uma versão mais moderna), um verdadeiro tratado de tauromaquia, com um apêndice didático contendo belo vocabulário sobre os termos usados no esporte, no qual estão os nomes e definições de cada movimento e apetrecho relacionados às corridas de touros. A crônica das viagens de carro pelas estradas acanhadas de então no interior da Espanha é agradavelmente detalhada quanto à paisagem, as cidades e pessoas, confirmando o talento de Papa. Mas a narrativa se torna monótona e repetitiva na descrição das touradas, abundantes, daquela temporada. Hemingway tem uma relação promíscua com os personagens e toma partido descaradamente de Antonio. Pontifica de tal modo sobre as touradas, os toureiros e os touros, funcionando como crítico técnico das corridas e mesmo conselheiro dos matadores. Há um forte ranço de fabulação no relato. Tem-se a impressão de que ele supervaloriza seu papel em determinadas situações. Parece que o autor é, mais uma vez, o personagem-narrador de um novo romance, em vez de um cronista de não-ficção.

Suave é a noite
F. Scott Fitzgerald



Suave é a noite (1934), quarto romance de F. Scott Fitzgerald, conta a história do psiquiatra americano Dick Diver, que se casa com uma paciente, Nicole, filha de um milionário, responsável por sua neurose, por ter abusado a filha quando criança. O amor pelo médico dedicado faz com que Nicole encontre equilíbrio suficiente para levar uma vida social quase normal e até certo ponto glamurosa. Uma espécie de casal 20, eles são o centro das atenções nas recepções, e o polo de atração em torno do qual se reúne um grupo de socialites que circula pela Riviera Francesa, onde vão morar. Mas a aparente paz do casal esconde uma guerra oculta na qual a calma é interrompida por súbitas recaídas da mulher. Dick é uma âncora que confere a Nicole a segurança para seguir em frente, cuidar dos dois filhos e levar a vida. Por fim, depois de dez anos de casamento, ela começa a reagir à crescente indiferença com que o marido passa a levar a vida conjugal, amargurado pela frustração com a carreira e a dependência do dinheiro da mulher e apaixonado por uma jovem atriz de Hollywood em férias na costa mediterrânea francesa. A consciência da infidelidade primeiro preocupa, mas por fim fortalece o espírito de Nicole. Ela se sente curada e disposta a fugir à dependência de Nick e se entrega a um novo amor, rompendo o casamento. Ele volta aos Estados Unidos e se dedica à clínica geral em pequenas cidades da região do estado de Nova York, mas nunca se reergue. Há quem veja forte componente autobiográfico na história. Em 1930, a mulher de Fitzgerald, Zelda, fora internada num hospício. Álcool, dinheiro, festas e dissipação marcam os personagens, como em toda a obra do autor. Sua prosa clara e brilhante é agradável. Mas, comparando o livro com O grande Gatsby, Belos e malditos ou o inacabado O último magnata, tem-se a impressão de que Fitzgerald continuava escrevendo muito bem, criando personagens muito realistas e bem desenhados, mas perdera um bocado do cinismo e da sutileza crítica.


Este lado do paraíso
F. Scott Fitzgerald




Primeiro romance de F. Scott Fitzgerald, Este lado do paraíso (1920) traça um retrato da vida universitária americana, fala das angústias e expõe os questionamentos de uma geração, num mundo em constante ebulição, uma turbulência, que resultaria na guerra e no surgimento das panacéias autoritárias criadas para gerar um mundo novo e perfeito, uma utopia jamais realizada. Contendo traços autobiográficos, a história do jovem Amory repete dilemas que seriam comuns a outros personagens do autor, reunindo arte, boemia, amores, dissipação e questionamentos filosóficos, que acabam atropelados pelos prosaicos problemas do dia a dia, como dinheiro e carreira. Mimado por um nascimento em berço de ouro, com uma atitude blasé frente ao dinheiro, Amory termina por se ver condenado à pobreza, depois que sua futura herança foi para o ralo. Dois meses depois de seu lançamento, o livro entrou na terceira edição e o autor se viu consagrado como um dos grandes nomes das modernas letras americanas e um expoente da Geração Perdida.


Minha Ántonia
Willa Cather




Quarto romance da escritora Willa Sibert Cather (1873-1947), Minha Ántonia (1918) é um clássico da literatura americana do Século XX. A história é narrada por Jim Burden (conselheiro jurídico de uma grande ferrovia, morador de Nova York) a pedido de sua amiga de infância e escritora. Ela edita seu relato em forma literária, relembrando os verdes anos passados nas pradaria do Nebraska, numa meninice marcada pela presença forte de europeus, notadamente de centro-europeus e europeus do leste, que colonizaram áreas ermas do país. A saga sofrida tem a garota Ántonia (cuja família migrara da Bohêmia, um reino autônomo do Império Austro-Húngaro, hoje República Checa) no centro dos acontecimentos narrados por Jim. Willa, ela própria uma filha de imigrantes do noroeste do País de Gales, viveu na região, onde o pai foi fazendeiro, enfrentando a dureza da vida na fronteira oeste. O livro foi bem recebido por críticos rigorosos, como Harold Bloon e H. L. Mencken, que a saudaram como uma das maiores escritora de sua geração. Em 1923, ela ganhou o Pulitzer por One of ours, seu quinto romance. Estava no auge de uma carreira prolífica que geraria mais sete romances entre outras publicações.

Adeus às armas
Ernest Hemingway



Publicado em 1929, depois de O sol também se levanta, Adeus às armas é uma história de amor que tem como pano de fundo a Primeira Grande Guerra. Como o autor, o personagem, o americano Frederic Henry, também serve no exército italiano como motorista de ambulância, é ferido em combate e se apaixona por uma enfermeira inglesa. O desafio do amor em meio aos horrores do conflito - marcado pelos massacres da guerra de trincheira, na qual se usou pela primeira vez armas de destruição em massa - descrito pela prosa enxuta, direta e envolvente de Hemingway.


Um artista da fome/A construção
Franz Kafka




 São quatro contos e uma novela escritos entre 1922 e 1824, quando Kafka já padecia roído pela tuberculose. Atormentado pela doença e pela ascensão do nazismo e do antissemitismo, há quem veja nas angustiadas, obscuras, insatisfeitas ou neutóticas personagens traços autobiográficos do autor. A obsessão do trapezista, que só se sente feliz e seguro lá em cima, de onde não desce nem no intervalo entre as apresentações (Primeira dor); a odienta moça que não suporta nem por um segundo o narrador (Uma mulher pequena); o faquir bipolar, cuja obsessão é se superar e ter reconhecida sua incomparável capacidade de abstinência, mas atormentado por se julgar uma fraude, pois não vê sacrifício, mas prazer em seu ato (Um artista da fome); a camundonga que com seu canto - que não se sabe ao menos se é um canto - domina seu povo (Josefina, a cantora ou O povo dos camundongos). Estes quatro contos compuseram o pequeno conjunto, que aqui, nesta edição da Cia. das Letras, divide o volume com A construção, novela narrada na primeira pessoa por um ser que habita o subsolo, onde cavou com unhas e dentes um labirinto no qual guarda o resultado de suas caçadas e se resguarda dos perigos da floresta. Ele rasteja pelos corredores escuros e estreitos, descansa enrodilhado e surpreende suas presas entre os invasores desavisados. Seria uma serpente? Mas ele sente arrepiar-lhe o pelo, ao aproximar-se da saída que liga a toca ao mundo exterior. Então não é um reptil, mas um mamífero. Um musaranho, provavelmente, devorador insaciável, sempre a mil por hora. Mas no caso, o que se move irriquieto é o pensamento da criatura. Seu diálogo interior é infinito e composto por intermináveis teses e antíteses, no mais puro estilo kafkiano.


Os anos 40
Rachel Jardim




 A vida privada e social, nos anos 40, pela ótica de uma jovem de Juiz de Fora, interior de Minas. Os anos 40 é a estréia como memorialista de Rachel Jardim. Publicado em 1973, o livro pinta um retrato da vida das famílias abastadas do Brasil interiorano, com fatos e cenas da vida da autora temperados por certa ficção, segundo ela sugere no subtítulo "A ficção e o real de uma época". As festas, bailes, viagens, namoros, noivados e casamentos, numa época de inocência pudorosa. Rachel relembra a infância e a juventude na cidade natal, em Minas, em uma fazenda do avô, em Guaratinguetá, e na metrópole do Rio, paraíso eterno dos mineiros, na época de ouro da Capital Federal.


O quinto filho
Doris Lessing




Eles eram ambos desajustados, levemente, excêntricos. Deslocados do grupo, David e Harriet eram indiferentes às tendências daqueles anos 60 turbulentos. Queriam algo diferente para suas vidas e acabaram se cruzando e se descobrindo. Seu sonho em comum era viver uma vida diferente daquela, ou seja, o sonho convencional de uma vida convencional. Constituir uma família com muitos filhos, numa enorme casa, ser felizes, desafiando os novos tempos. Tiveram uma casa grande com quatro filhos e muitos parentes reunidos em verões, natais e páscoas felizes no casarão vitoriano de uma dezena de quartos. Tudo dentro dos conformes, embora muito pesado para os parcos rendimentos da família, cujo orçamento um avô das crianças complementava com ajuda bem recebida. Tudo ia até muito bem, no mais, até que veio o quinto filho, depois de uma gravidez de enlouquecer Harriet. Por obra de algum gene travesso o destino colocou-lhes nas mãos uma criança que poderia ser um extraterrestre, um gnomo, um ancestral da humanidade ou de uma raça paralela. Os fatos concretos não indicam haver naquela família um problema tão grande. Quando vistos pela ótica de Harriet, no entanto, com o incremento das possibilidades de desastres vislumbrados por ela, mas que acabam nunca ocorrendo, O quinto filho (1988) se aproxima de um romance de terror. Doris Lessing nasceu em 1919 e viveu 94 anos. Foi prêmio Nobel de literatura em 2007.


Exilados
James Joyce




Escrito entre 1914 e 1915, essa peça do autor irlandês foi encenada pela primeira vez em 1919, em Munique, e só voltou aos palcos seis anos depois, em Nova York. Em Dublin, sua terra, ela só foi apresentada em 1948, sete anos depois de sua morte. Até seu desaparecimento, a peça só fora representada oito vezes. Esta edição da Iluminuras (2003) tem tradução de Alípio Correia de Franca Neto, que é também o autor de uma alentada introdução bastante ilustrada. Na verdade o que se lê na introdução é um ensaio erudito, sobre autor e obra, que nos ajuda a conhecer melhor e entender o homem e o autor James Joyce. O enredo em si, embora trate de um tema aparentemente avançado para a época, um triângulo, ou melhor, um quadrado amoroso, mais platônico que carnal, se desenvolve dentro do esquema do velho teatro, com marcação rígida e diálogos curtos. O escritor Richard parte para o exterior, acompanhado de Bertha, com quem se casa sem a aprovação da família. Ela é um caráter simples, apaixonado, que remói um sentimento de culpa por não se sentir à altura de seu parceiro e por tê-lo afastado dos seus, de uma possível carreira e de sua terra. Robert, amigo de juventude de Richard, um tipo simplório, raso, é apaixonado por Bertha, e com o retorno do casal para a Irlanda passa a cortejá-la abertamente. Richard tem em Beatrice, prima de Robert e professora de piano de seu filho Archie, sua musa inspiradora. Richard flerta com Beatrice descaradamente e isso mexe com os ciúmes e a insegurança de Bertha. Por outro lado, ele estimula a mulher a que facilite as coisas para Robert, o que a deixa confusa e frustrada. Dividida, ela corresponde ao flerte de Robert, mas é ferida pela postura do marido, por quem segue apaixonada. A banalidade do enredo desaparece quando se descobre que Richard ama a esposa, mas a complexidade de sua personalidade lhe impõe a condição de só ser feliz ao seu lado num contexto de dúvida. Por esta razão, é fundamental dar à mulher a total liberdade. Na verdade, ele não a empurra ao rival, mas à liberdade de se realizar, aplacar seus possíveis desejos adúlteros, optar por traí-lo. Confusa, ela cobra uma posição clara de Richard, que não pode atendê-la sem frustrar sua estratégia até certo ponto doentia. Ao contrário da Capitu, de Machado de Assis, o leitor sabe o que acontece de verdade entre Bertha e Robert, mas a dúvida de Richard será sempre a de Bentinho, por uma necessidade de sua mente complicada. Um dramalhão com o toque da genialidade de Joyce, composto por personagens comuns, mas de psicologia complexa.



As cabeças trocadas
Thomas Mann



Inspirado numa antiga lenda indiana, As Cabeças Trocacas (1940), de Thomas Mann, autor de Morte em Veneza e A Montanha Mágica, conta a história de dois amigos, um erudito, outro um operário rústico, que vivem um triângulo amoroso, ambos apaixonados pela mesma mulher, que se casa com um, mas se vê atraída pelo outro. Mann usa o tema para tratar de questões filosóficas e eróticas.


Transformações
Valéria Torres


Transformações, de Valéria Torres, é uma novela que trata do dilema que achaca muitas cabeças desde os anos 70, pelo menos. Seguir a vida convencional e confortável, mas de muitas formalidades e busca material, ou seguir um caminho alternativo, uma vida mais simples, longe do estresse do dia-a-dia, numa convivência mais íntima com a natureza. Esse dilema é vivido por Érika, jovem bonita e bem casada, numa relação ideal e invejada. Uma doença inesperada coloca em xeque os valores estabelecidos e a faz dar uma guinada em sua vida. O final da história, contada em frases e diálogos curtos e precisos, num texto elegante e direto, não é o dos contos de fadas. É um final realista, com os prós e contras que a realidade nos oferece. Trata-se de uma novela curta ou de um conto longo, como queiram, mas fica evidente que a autora poderia ter alongado a trama para transformá-la num romance editado em volume mais alentado. Elementos para isso há de sobra no bom texto.


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